Pantera Negra: Wakanda para sempre’ explora luto para superar limites do gênero de herói; blog já viu
Em “Pantera Negra: Wakanda para sempre”, o diretor e roteirista Ryan Coogler prova de uma vez por todas ser o cineasta mais valioso do time do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU, na sigla em inglês).
Com uma história sobre luto, que honra e respeita a morte de Chadwick Boseman (1976-2020), ele supera mais uma vez os limites do gênero de super-heróis.
Com isso, transforma as inúmeras adversidades pela qual a produção passou – como a perda de seu protagonista e as críticas a publicações antivacina de uma de suas estrelas, Letitia Wright – em trunfos.
Para ser justo, Coogler é apoiado por um elenco excelente. A indicada ao Oscar Angela Bassett, por exemplo, se agiganta ao longo de grande parte do filme com o pesar da rainha que perdeu o filho.
Mas não dá para não considerar o cineasta como o grande responsável por transformar um filme que tinha tudo para ser mediano em um dos melhores do ano.
Com o diretor, “Wakanda para sempre” consegue a proeza de ser um ótimo exemplar do MCU e algo muito, muito além – assim como ele já havia feito com o primeiro “Pantera Negra”, em 2018.
Vida longa ao rei
A história da sequência, é claro, não teria como fingir que a morte de Chadwick Boseman jamais aconteceu. A morte do ator em 2020 aos 43 anos, por causa de um câncer de cólon, pegou o mundo de surpresa, já que ele não falava publicamente sobre a doença.
As filmagens ainda não tinham começado, mas o roteiro, já encaminhado, teve de lidar com a perda de seu grande protagonista – um herói que não defendia apenas o reino fictício de Wakanda, mas que também deveria ter grande relevância no cenário geral do MCU.
A solução encontrada por Coogler e seu corroteirista Joe Robert Cole, também de volta após “Pantera Negra”, foi dar destino parecido ao personagem interpretado por Boseman – ainda mais depois que a Marvel decidiu (corretamente) não substituir o astro.
Com isso, T’Challa também morre, vítima de uma doença misteriosa. Enquanto Wakanda e a família real lidam com o luto por seu rei, devem enfrentar também as repercussões da revelação de seu avanço tecnológico no cenário mundial após anos escondidos.
A decisão também leva ao encontro com um possível e poderoso inimigo, Namor (Tenoch Huerta), monarca de uma civilização submarina.
Uma rainha à altura
Desde o começo, quando o público encontra o respeito e a reverência de uma nação inteira por seu antigo líder, fica claro que “Wakanda para sempre” não é o filme de super-herói padrão.
O vácuo causado pela ausência de alguém do porte de Boseman é preenchido, pelo menos em parte, pela grandeza da atuação de Bassett.
Já uma força da natureza contida em sua participação menor no filme de 2018, a atriz sustenta o crescimento de seu papel – e empresta uma urgência humana a uma rainha tão nobre que seria fácil esquecer do tamanho de suas perdas.
Outro que amadurece com seu personagem é Winston Duke. Antigo amigo e rival do herói, na sequência ele é promovido a conselheiro do reino e a uma espécie de irmão mais velho postiço da princesa Shuri (Letitia Wright).
Seu M’Baku continua como um dos grandes alívios cômicos, mas seu humor debochado existe como contraste para seus momentos de seriedade e sensibilidade.
Ao lado da dupla, Wright e Danai Gurira mantêm o nível altíssimo que as alçaram a favoritas dos fãs desde o primeiro filme – e principais candidatas a assumirem a identidade do herói.
Um rei para um império
Diante de tanto talento, é notável o quanto o novato Huerta (“Uma noite de crime: A fronteira”) consegue se consolidar desde o começo como o arrogante e ameaçador Namor.
Criado nos quadrinhos em 1939, o personagem é um dos mais antigos da Marvel e, ao longo dos anos, flutuou entre os status de herói, anti-herói e vilão.
O roteiro costura com habilidade todas essas facetas, mas é o mexicano quem o sustenta no limite entre a soberba, o charme e a nobreza de alguém realmente interessado na sobrevivência de seu povo.
A escolha por uma inspiração maia para o personagem e sua civilização é outro acerto imensurável. Se por um lado o afasta consideravelmente de sua contraparte da DC, o Aquaman, por outro enriquece a história com uma nação que parece viva.
Se a Atlântida do filme da concorrência parece uma Las Vegas submarina, cheia de luzes e afetações, a Talocan liderada por Namor é muito mais sombria e complexa, com uma história ligada diretamente aos abusos da colonização americana que faz da postura agressiva de seu monarca algo quase compreensível.
Com a apresentação de tantos elementos, as duas horas e quarenta minutos do filme não parecem mero capricho e cobram pouco do público. Há pouquíssimos momentos em que a trama parece não avançar, o que faz com que o espectador nem perceba a passagem do tempo.
“Wakanda para sempre” teve de superar muitos obstáculos e ninguém condenaria a continuação se ela se dedicasse apenas a reerguer a franquia após a tragédia da morte de Boseman.
No fim, graças a um cineasta no ápice de suas habilidades como contador de histórias, a produção honra o legado de seu antigo protagonista, abre novos caminhos para todo o MCU e ainda apresenta um novo e rico personagem.
Nas mãos de Ryan Coogler, Wakanda sem dúvidas está segura. Para sempre.
Texto: g1