Destinação vinculada de precatórios do Fundef para remuneração de professores viola a Constituição, afirma MPF
A obrigatoriedade de destinar 60% dos precatórios oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (antigo Fundef, atual Fundeb) para a remuneração direta de professores esbarra em questões constitucionais e legais. Esse foi o posicionamento do Ministério Público Federal (MPF) durante audiência pública promovida pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados no dia de 17 de maio. O entendimento foi defendido pela procuradora da República Niedja Kaspary, representante da Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos do MPF (1CCR).
O debate tem como plano de fundo a recente derrubada, pelo Congresso Nacional, do veto presidencial ao parágrafo único do art. 7o da Lei 14.057/2020. O dispositivo estabelece que os valores pagos pela União a estados e municípios na forma de precatórios devem obedecer à destinação originária dos recursos do Fundef, garantindo pelo menos 60% dos recursos aos profissionais do magistério ativos, inativos e pensionistas, na forma de abono.
Niedja Kaspary afirma que a medida “contraria a Constituição e a própria Lei do Fundeb (Lei 14.113/20), que tem um conceito específico do que é remuneração e do que é valorização do magistério”. No entendimento do MPF, assim como dos demais órgão de controle e fiscalização, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), a vinculação dos precatórios à remuneração de professores e servidores da educação é indevida, uma vez que esses recursos têm natureza extraordinária e finita.
A procuradora pontuou que, conforme manifestação na ADPF 528, o MPF entende que a liberação pontual de significativa quantia de recursos da educação a determinados profissionais de magistério, além de carecer de respaldo constitucional ou legal, não atende à finalidade do Fundef/Fundeb. “Haveria um favorecimento pessoal e momentâneo que em nada se assemelha à valorização abrangente e continuada da categoria, que é o real objetivo da legislação”, refletiu.
Frisou ainda que o MPF não se opõe à utilização dos precatórios para ações de valorização do magistério público, desde que reflitam na melhoria do sistema de ensino com um todo. “Os recursos podem ser usados para o pagamento de incentivos à produtividade, o atingimento do piso nacional, a promoção de cursos de capacitação e aperfeiçoamento ou o incentivo financeiro para aquisição e domínio de novas tecnologias”, exemplificou.
ADI – Niedja informou que o MPF estuda a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei 14.057/2020 no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo ela, a norma esbarra na própria Constituição ao afrontar, entre outros princípios da administração pública, a previsão de irredutibilidade salarial. “Os recursos dos precatórios são excepcionais e, uma vez esgotados, não haveria como o município sustentar o padrão remuneratório incrementado pela existência episódica dos precatórios”, ponderou.
A procuradora também argumenta que a lei violou o pacto federativo. “Por ser editada pela União, a lei usurpa a competência de Estados e Municípios em relação a seus profissionais de educação”, explica. Ela alerta ainda para o fato de que, embora regulamente a remuneração dos professores pelos entes federativos, a lei federal não prevê uma forma de continuidade desse pagamento quando os recursos dos precatórios exaurirem. “O próprio gestor local vai ter problema com a Lei de Responsabilidade Fiscal e provável carência de recursos para dar essa continuidade”, completa.
Histórico – Os precatórios do Fundef são valores devidos pela União a estados e municípios em razão de retenções ilegais no fundo ocorridas entre 1998 e 2006. A dívida já foi reconhecida pela Justiça e, em 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) impôs à União o pagamento desses recursos e sua destinação vinculada à educação. Desde então, há uma discussão sobre como os entes federados podem investir essas verbas para garantir a promoção do direito à educação.
Na última semana, reiterando posicionamento anterior, o TCU concedeu medida cautelar proibindo os municípios de utilizar os recursos dos precatórios do Fundef para o pagamento de abono salarial aos professores, até regulamentação da nova lei.
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