Professores são essenciais somente para enfrentar a covid-19?
Nesses meses trágicos de pandemia, o que antes era conhecido como rotina virou de pernas para o ar. Quase tudo ganhou novo significado: o trabalho, a vida social. Até algumas palavras. Antes, classificar algo como “essencial” era uma referência positiva. Hoje, pode ser muito ruim.
É o caso da Educação. Há muitas décadas, professores, pedagogos e todos aqueles interessados em construir um país decente reivindicam para o ensino o status de atividade essencial. O objetivo com isso é conseguir condições mais favoráveis de aprendizado, melhor remuneração para os professores, aperfeiçoamento profissional, mais recursos pedagógicos.
Ao invés disso, o ofício de ensinar vem sendo desvalorizado.
Professores temporários tomam o lugar dos concursados, a PEC Emergencial permitirá que os mestres fiquem sem aumento por até 15 anos, a autonomia dos profissionais de educação é frequentemente colocada à prova e por aí vai. Talvez isso explique resultado da pesquisa feita pela OCDE há dois anos, na qual apenas 2,4% dos alunos brasileiros de 15 anos manifestam interesse em ingressar na profissão. Dez anos antes, o porcentual era de 7,5%.
Na semana passada, deputados se movimentam para transformar a Educação em atividade essencial. Justamente agora, na pior fase da pandemia de covid-19, eles aprovaram regime de urgência para votar projeto que classifica várias profissões como essenciais. Entre elas está o magistério. A preocupação não é melhorar a vida do professor, mas dar base legal aos governantes que querem reabrir escolas, apesar de todo risco da transmissão de coronavirus.
A argumentação desses parlamentares e de alguns especialistas é a de que tentam reduzir o prejuízo dos alunos, que já perderam muitas aulas. A gravidade da situação dos estudantes pobres, que sem poder ir ao colégio ficam em situação de vulnerabilidade ainda maior, é mais um peso nessa balança. No entanto, como se sabe, não há perda maior que a vida.
Nada justifica colocar em risco profissionais do ensino — além dos próprios alunos e seus parentes — nesse momento crucial da pandemia, no país com maior número de mortes diárias em todo o mundo.
Fatos recentes desmentem a pregação de que as salas de aulas são locais seguros. Segundo dados analisados pelo grupo Rede Escola Pública e Universidade (Repu), a ocorrência de casos de covid-19 entre professores que voltaram ao trabalho presencial é três vezes maior que a média da população em geral na mesma faixa etária. Há um mês, o sindicato paulista denunciou que 20 professores morreram depois de voltar às escolas.
Empurrar profissionais para um ambiente de alta taxa de contaminação antes que todos estejam vacinados não é uma forma sincera de considerá-los essenciais. Diante das escolas fechadas, o prejuízo dos alunos é inegável. Mas o maior prejuízo, único reversível, é a covid-19 que pode causar. Quem realmente considera os professores como essenciais, no sentido original da palavra, deveria se preocupar seriamente com isso.
Fonte: Noticias Uol.