Aos 19 anos, João não venceu um concurso de música como uma de suas referências, mas estourou. Como representante de uma geração em que o mundo digital é a grande vitrine, foi fazendo vídeos com um celular caquerado (”só filmava de dia”) que ele ganhou as primeiras curtidas de colegas, músicos e público na região de Petrolina, em Pernambuco, para onde se mudou bem pequeno.
Entre um vídeo e outro, João passou a cantar em festas regionais, como as vaquejadas. “A gente ia na cara e coragem mesmo. Meu amigo Mario com uma sanfoninha velha, um ou outro amigo com instrumentos e eu cantando. Na primeira vez, a gente só sabia três músicas. Acabava, e a gente trocava de caminhão (na vaquejada é comum que os donos de animais tenham caminhões para transporte dos cavalos e nas festas os transformem em minipalcos). Devo ter cantado nuns 50 caminhões, viu?”, diverte-se.
O nome de João começou a correr o circuito dos vaqueiros. Além de cantar, ele compõe. E a primeira escrita, “Eu Tenho a Senha”, tinha sido gravada por Tarcisio do Acordeón, bem famoso no eixo Norte-Nordeste. Ou seja, faltava o menino aparecer e alguém para acreditar. “Eu tinha uma promessa do empresário, que me pedia sempre paciência. Às vezes, pensava em voltar pra lavoura, terminar meus estudos em agropecuária e esquecer disso tudo. Mas a música sempre falou mais alto dentro de mim, eu nem sei dizer o motivo. Eu era criança, ouvia o rádio e pensava: ‘Será que um dia vou ter capacidade de fazer música assim?”, relembra.
Meio cabisbaixo, desacreditado em si mesmo, ouviu do pai a frase que transformaria a ansiedade em inspiração. “Ele viu que eu estava meio triste em ter vendido a primeira música e ainda não ter gravado o CD prometido, e me falou: ‘Não pense nisso, não. Que daqui a pouco você escreve outra e vai ser melhor que essa ainda”. Parece que ele tirou um peso de mim”, conta.
No dia seguinte nascia “Meu pedaço de pecado”, que virou hit, caiu na boca de artistas famosos e colocou João nas paradas, entre os grandes. Contrato assinado, investimento na carreira. Só faltava uma coisa.
“Quando começamos, prometi ao Jeovanny (sanfoneiro) que assim que pudesse daria a ele uma sanfona nova. Ainda não tinha conseguido”, recorda. No mesmo dia em que chegou seu primeiro ônibus, plotado com seu rosto, para as viagens com a banda, também chegou a sanfona do amigo: “Acho que chorei mais por ela do que pelo Galegão”.
Galegão é o nome do veículo. Embora João agora já tenha um segundo, já que o primeiro ficou pequeno para as 26 pessoas que estão no palco com ele. E se tem uma coisa que ele não abre mão é de ter os seus nas mesmas condições que ele. “Não faço nada sozinho, meus amigos estão comigo. Começamos juntos, vivemos o ruim juntos, e agora estamos vivendo o que sonhamos. Minha responsabilidade é muito grande. Com eles, com a família deles, com o trabalho”, enumera o cantor, que ainda sendo um garoto carrega a maturidade de quem já viveu demais.
Talvez a razão esteja na infância. Os pais se separam quando ele tinha 2 anos. A mãe trabalhava fora, e João ficava só. Com seus poucos brinquedos e o rádio ligado. Tornou-se circunspecto. O pai tinha uma barbearia na frente da casa da avó. Quando João estava ali, ficava calado. “Meu pai dizia que ali tinha todo tipo de gente. Então, ele falava para eu ficar quetinho, ouvir e não interagir com os clientes. E eu ficava horas lá, só ouvindo. Acho que isso me tornou alguém mais tranquilo, que observa muito”, justifica.
Quando estava na barbearia, recebia R$ 10 por dia para varrer o chão. O pai nunca quis que João tivesse a mesma profissão que o avô teve, repetindo assim uma tradição, quase sina familiar. A avó paterna, com quem João morou a partir dos 14 anos, tinha medo de o neto quebrar a cara. A mãe idem. Pedia para ele estudar. “Meu plano A sempre foi trabalhar com agricultura. Passei no Instituto Federal do Sertão para cursar Agropecuária e meu futuro seria na roça”, diz.
A terra, porém, não será abandonada. João quer, no futuro, “ter uma roça para viver como o avô”. Até lá, espera pisar em todos os palcos que puder. Agenda lotada. Segundo fontes do mercado, os shows que começaram em R$ 80 mil, hoje já chegam a R$ 400 mil dependendo da data.
João não se empolga a falar de dinheiro. “Se eu quisesse hoje eu poderia ter uma picape, um carrão. Mas para quê? Estou na estrada e não ia poder dirigir. Podia comprar um casarão, com piscina e tal, mas nem iria conseguir dormir um dia nela, pois passaria o mês viajando. Sou muito pé no chão”, garante: “Prefiro arrumar a casa da vó, levantar a laje da casa do meu pai…”.
A simplicidade de João está até nas roupas com as quais se apresenta. “Uma botina de vaquejada que não tiro do pé, uma calça, uma camisa polo e um boné”, descreve. Boné, inclusive, virou marca registrada. Tem um monte, mas só usa dois. E alguns até com propaganda de um comércio local de onde ele esteja.
Aplaudido por Neymar, Hulk, Ivete Sangalo e Wesley Safadão, ídolos da sua infância, João jura que não se deslumbra. Tímido, coloca nas músicas românticas que faz a saudade do que ainda não viveu. Namorada ele garante que não tem. “Me apaixono na mesma velocidade que desapaixono. Aí, vira música”, explica, maroto.
A cada dez frases que diz com seu sotaque carregado, pelo menos uma tem Deus no meio. Criado no catolicismo, cantor de coral, João não tem só nome de santo. Ele é dono, afirma, de uma fé inabalável. “Não sei explicar. Não é por causa de religião. Apesar de ter sido crismado e batizado, é algo que sempre veio de dentro. Tem gente que vai à igreja e não tem a mesma fé. Não que eu tenha mais que os outros, não. Mas nunca deixo de agradecer a Deus por tudo o que vem me acontecendo, por ter estado comigo nos piores momentos, por ter me perdoado quando fui alguém ruim. Eu sinto necessidade dessa troca com Ele”, argumenta.
Na última quinta-feira, pela manhã, no interior do Pará, onde fez um show lotado na noite anterior, João Gomes tomava banho quando ocorreu uma dessas “trocas”: “A água caindo assim e de repente era como se eu olhasse pra mim mesmo, sem acreditar no que estou vivendo. Me perguntava: ‘Será que sou eu mesmo?’. Até outro dia eu não era ninguém, e agora… Só pode ser Deus”. Ainda lembrando Belchior, o verso de “Apenas um Rapaz Latino Americano” sintetiza bem a história de João Gomes: “Mas trago de cabeça uma canção do rádio em que um antigo compositor baiano me dizia: Tudo é divino, tudo é maravilhoso”.
Fonte: Charles Lyma